O Relicário surgiu pelo meu prazer de escutar histórias, de vida e da vida. Aos quatro anos a minha maior alegria chegava no fim da tarde, quando o meu encontro virtual era com as queridas Dona Benta e Tia Nastácia, naquele adorável Sítio do Picapau Amarelo. Ali eu me deleitava com suas incríveis narrativas, recheadas de aventuras e imagens que me hipnotizavam completamente. Acho que esse foi o meu primeiro contato emocional com o audiovisual. Na sequência fui ‘possuído’ pelos filmes dos Trapalhões, depois por quase todos os clássicos e musicais do cinema que eram exibidos na Sessão da Tarde, pelas comédias das novelas das sete, por quase todos especiais infantis da televisão e pela saudosa coleção Tabas, que com a mistura de recursos de áudio, livros ilustrados e clássicos da MPB, me seduziu pelos caminhos de cada personagem. O fascínio por tantas histórias ficcionais só encontrava ‘relento’ na casa dos meus avós, o mais doce refugio de uma criança que vivia com a cabeça na Lua, ou nas telas dos anos 70 - 80. 

 

Por lá fui descobrindo as narrativas reais da vida. Os meus avós me apresentaram um mundo preenchido por trajetórias incríveis. Personagens da vida real! Aquilo seduziu e desenvolveu a minha escuta e curiosidade sobre cada pessoa à minha volta, bisbilhotice mesmo, virei um pouco de outro personagem de humor da TV, o Explicadinho, aquele que queria saber as coisas “nos seus mííínimos detalhes”. Como menino curioso e tímido, o meu maior presente, recebido do meu pai, foi uma câmera de filmar. A partir dali comecei a registrar a minha família e os meus amigos e nunca mais parei. Com edições caseiras e amadoras, os meus filminhos foram criando uma ficção documental da vida real, por mais ambíguo que isso possa ser.

 

Muitos e muitos anos, imagens, relatos, histórias, filmes, estudos e cursos depois, desencadearam em curtas-metragens sobre amigos, famílias e trabalhos e dois longas-metragens, ‘Bissales’, sobre as origens de meu pai, e ‘Tsé, filme documental amplamente divulgado e premiado, sobre a trajetória de minha avó, sobrevivente do Holocausto. O fascínio e a curiosidade pelas histórias de vida das pessoas ao meu redor nunca cessaram. Com o destaque do documentário ‘Tsé’, muitas pessoas vieram me contar suas histórias, pedindo dicas e tentando entender como poderiam registrar suas ‘bagagens’ de vida, de família, resgatar e pesquisar suas origens.

 

Foi a partir deste ponto que a Fazendo Filmes Produtora criou o Relicário, um projeto documental único e pessoal. Narrativas de vida são contadas em formato de audiovisual, de maneira simples e humanizada. Um depoimento, uma única entrevista, onde a palavra do entrevistado tem o peso singular e necessário para a composição da história. Cada projeto apresenta um relato distinto e uma nova fonte de vida, um pequeno e precioso relicário de família, que me remetem ao meu prazer de escutar e contar as histórias de vida e da vida.

 

 

Fábio Kow